Quarta-Feira, 22 de Janeiro de 2025

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Alagoas possui apenas 3% da sua Mata Atlântica

Promotor do MP/AL, Alberto Fonseca conta que órgãos lutam para combater o desmatamento das áreas remanescentes no estado e salvar espécies ameaçadas de extinção

Por Thayanne Magalhães com Tribuna Independente

21/10/2022 às 11h34

Mata Atlântica de Alagoas sofre com o desmatamento e resta apenas 3% do bioma no estado - Foto: Edilson Omena - Foto:

Ao avistar as terras do Brasil, os portugueses que chegaram na expedição liderada por Pedro Álvares Cabral notaram por toda a costa ainda desconhecida a Mata Atlântica exuberante que aqui existia. Hoje, 500 anos depois, apenas 7% do bioma está conservado em fragmentos com mais de 100 hectares.

O promotor de Justiça do Ministério Público de Alagoas (MP/AL), Alberto Fonseca, titular da 4ª Promotoria de Justiça da Capital, com atuação na área de meio ambiente, conta que restam apenas 3% das remanescentes, que são áreas altamente fragmentadas da Mata Atlântica alagoana. Ele conta ainda que, das 10 espécies mais ameaçadas de extinção que podem sumir do planeta, quatro são nativas de Alagoas.

Promotor Alberto Fonseca (Foto: Edilson Omena)


“A maior dificuldade a ser combatida com relação à Mata Atlântica em Alagoas estava na própria dinâmica do trabalho que nós temos, de identificar as áreas afetadas. A Operação Nacional Mata Atlântica em Pé foi uma inciativa pioneira do promotor do Ministério Púbico do Paraná Alexandre Gaio, especialista no bioma. E daí foi feita a idealização de uma operação que abrangesse os 17 estados onde a Mata Atlântica ainda existe. Em Alagoas deve haver um cuidado especial porque temos apenas 3% de mata remanescente e, desse total, a maioria encontra-se em área privada”, explicou Fonseca.

O promotor relata que existe um programa de atuação ministerial para a preservação da Mata Atlântica e de espécies ameaçadas. “Esse programa contempla ações e projetos para a preservação da fauna e da mata. Como a gente sabe que a maioria das áreas são particulares, incentivamos a criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural, as RPPNs”, explica Fonseca.

As RPPNs são unidades de conservação (UC) de domínio privado, gravadas com perpetuidade na matrícula do imóvel, com o objetivo de conservar a diversidade biológica. “O proprietário tem que preservar a mata e fiscalizar. É uma unidade de conservação concebida para ser privada. O Instituto para a Preservação da Mata Atlântica é parceiro do programa”, continua o promotor.

Para combater os crimes ambientais cometidos no bioma, em setembro deste ano foi deflagrada a Operação Mata Atlântica em Pé. A iniciativa é voltada à recuperação de áreas degradadas e ao combate ao desmatamento.

Ao final dos trabalhos, serão contabilizadas as áreas vistoriadas e as infrações identificadas. Aqui no estado, o trabalho é coordenado pelo Ministério Público do Estado de Alagoas e realizado em conjunto com o Batalhão de Polícia Ambiental (BPA), a unidade regional do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Instituto do Meio Ambiente (IMA) e o Ministério Público Federal (MPF).

É com o uso de sistemas de monitoramento das áreas via satélite que as equipes localizam e visitam propriedades em que há suspeita de desmatamento. Uma vez constatados os ilícitos ambientais, os responsáveis são autuados e podem responder judicialmente – nas esferas cível e criminal – além das sanções administrativas relacionadas aos registros das propriedades rurais.

As fiscalizações ocorrem tanto de modo presencial como remoto, a partir de imagens, em 35 alvos. “Trabalhamos com várias equipes espalhadas nas regiões Metropolitana, Zona da Mata e litorais Norte e Sul, além de técnicos atuando por meio de sistemas digitais. A tecnologia chegou para atuar em nosso favor”, explicou o promotor de Justiça.

De acordo com Adalberto Luiz de Souza Neto, gerente de Fauna, Flora e Unidade de Conservação do IMA, a equipe técnica do IMA, com o apoio de guarnições do BPA, fiscalizou sete alvos com indicativos de desmatamento irregular, que estavam distribuídos em nove propriedades rurais distintas. Desse modo, aproximadamente 70 hectares de áreas foram áreas fiscalizadas que geraram a lavratura de nove autos de infração por destruir ou danificar vegetação nativa do bioma Mata Atlântica, intervenções realizadas sem autorização ou licença da autoridade ambiental competente.

Ainda segundo o gerente, dos alvos fiscalizados, foi constatado que a maioria deles teve desmatamentos irregulares consumados mediante o uso do fogo, também realizado sem a devida autorização do órgão ambiental competente. Desse modo, diante das irregularidades constatadas pelas equipes técnicas do IMA e do BPA, os indicativos de multa constantes nos autos de infração lavrados pelo IMA totalizaram R$ 452.500,00. Ele destaca que, além dos autos, foram lavrados termos de embargo para todas as áreas que foram irregularmente desmatadas.

Desmatamento


Conforme informações divulgadas em maio deste ano no Atlas da Mata Atlântica, o bioma sofreu redução de 13.053 hectares (130 quilômetros quadrados) entre 2019 e 2020 no Brasil. Em 10 dos 17 estados que compõem o bioma, o desmatamento se intensificou, com aumento de 400% em São Paulo e no Espírito Santo e superior a 100% no Rio de Janeiro e no Mato Grosso do Sul.

(Foto: Edilson Omena)


De acordo com os dados do Atlas, os três estados que mais desmataram a floresta no período foram Minas Gerais (4.701 hectares), Bahia (3.230 hectares) e Paraná (2.151 hectares). Junto de Santa Catarina e do Mato Grosso do Sul, respectivamente o quarto e o quinto da lista, essas unidades da federação acumulam 91% da perda de vegetação da Mata Atlântica entre 2019 e 2020. Integram também o bioma da Mata Atlântica os seguintes estados: Alagoas, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Sergipe, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Goiás.

O Atlas da Mata Atlântica é um estudo realizado desde 1989 pela Fundação SOS Mata Atlântica em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – unidade vinculada ao Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação. Segundo o levantamento, o volume desmatado no período 2019-2020 foi 9% menor que o levantado em 2018-2019 (14.375 hectares), mas representa um crescimento de 14% em relação a 2017-2018 (11.399 hectares), quando se atingiu o menor valor da série histórica.

Diante da drástica redução da vegetação nativa observada ano a ano, os especialistas alertam para a necessidade de não apenas zerar o desmatamento, mas também tornar a restauração do bioma uma prioridade na agenda ambiental e climática.

As assessoras técnicas ambientais do IMA Vanessa Lessa Pereira e Letícia Silva Pereira explicam que a maior dificuldade encontrada pelo órgão no combate ao desmatamento é a localização do responsável pelo desmatamento ilegal, principalmente quando a área alvo não possui Cadastro Ambiental Rural (CAR) e quando não há residências próximas da área alvo.

As assessoras técnicas explicam que também encontram dificuldade para acessar as áreas alvo, tendo em vista que as condições climáticas podem alterar as estradas de acesso, bem como o relevo das áreas alvo podem dificultar a chegada da equipe de fiscalização.

O IMA ressalta ainda a dificuldade na identificação do material lenhoso gerado na supressão, visto que em biomas com alta biodiversidade como a Mata Atlântica, a identificação da madeira em toras ou carvão pode ser dificultada quando não há a presença dos demais órgãos vegetativos das árvores. Com isso, mesmo após a constatação de que a vegetação era nativa, espécies ameaçadas de extinção podem não ser identificadas fazendo com que o infrator não seja penalizado adequadamente.

Atestar o flagrante, tendo em vista que a maior parte dos alvos da Operação Mata Atlântica são provenientes de imagens de satélite (e não denúncias), também é outro obstáculo na luta pela preservação. Nesses casos, não é possível apreender o maquinário utilizado no desmatamento (tratores, motosserras etc.), e em casos de consumação da vegetação a partir do uso do fogo, a depender de quando a infração ocorreu, torna-se impossível constatar a ocorrência do mesmo.

Maioria de denúncias recebidas pelo MPF é sobre devastação da Mata Atlântica


A procuradora do Ministério Público Federal em Alagoas (MPF/AL), Juliana Câmara, explicou para a Tribuna Independente que durante a Operação Mata Atlântica em Pé o órgão monitora as incursões das equipes de fiscalização formadas pelos órgãos técnicos para, a partir dos achados, aumentar a agilidade na adoção das providências extrajudiciais e judiciais cabíveis com vistas à responsabilização por desmatamentos e providências voltadas à recuperação das áreas degradadas.

Sobre as denúncias de crimes ambientais dentro dos 3% de Mata Atlântica que restam em Alagoas, a procuradora ressalta que é importante esclarecer que, embora a Constituição da República considere a Mata Atlântica um patrimônio nacional, a atribuição do MPF para atuar na proteção desse ecossistema só ocorre quando atingida alguma espécie da flora ameaçada de extinção ou quando o ilícito ocorrer em área pertencente ou protegida pela União, a exemplo das Unidades de Conservação Federais, das Áreas de Preservação Permanente (APPs) em rios federais e das terras indígenas, dentre outros.

“No estado de Alagoas temos uma importante área protegida que é a Estação Ecológica de Murici, unidade de conservação federal criada com o objetivo de preservar uma área de aproximadamente 6.116 hectares de Mata Atlântica, onde a contenção do desmatamento tem encontrado algum êxito. A maioria das denúncias que chegam ao MPF dizem respeito a áreas devastadas, muitas vezes com o uso de fogo, para o desenvolvimento de atividade agrícola ou exploração de minérios”, explica Juliana Câmara.

Qual a maior dificuldade em combater esses crimes?


Para a procuradora da República, o Brasil está passando por um grande retrocesso na área ambiental, o que tem comprometido a constância das fiscalizações e, consequentemente, contribuído para a expansão do desmatamento.

“A lei de crimes ambientais tem penas brandas, a ponto da totalidade dos delitos ali previstos serem passíveis de aplicação de algum instituto despenalizador, a exemplo de suspensão condicional do processo, transação penal ou acordo de não-persecução penal. No âmbito cível, a flexibilização das leis ambientais - ou mesmo de sua interpretação -, aliada ao enfraquecimento da participação da sociedade civil em instâncias colegiadas do Sistema Nacional do Meio Ambiente, também tem sido um entrave à preservação desse importante ecossistema”, esclarece.

Conscientização das comunidades


Juliana Câmara conta que o trabalho de conscientização da população é feito de forma transversal e por todos os órgãos que atuam na preservação do meio ambiente. No Estado de Alagoas, o IMA possui uma Gerência de Educação Ambiental atuante e o MPF mantém contato próximo e frequente com o ICMBio com o objetivo de aprimorar ações de educação ambiental promovidas pelas unidades gestoras das unidades de conservação federal no estado.

Quase extinto, Mutum-de-Alagoas volta para casa

Mutum-de-Alagoas (Foto: Edilson Omena)



Empolgado, o representante do Instituto para Preservação da Mata Atlântica (IPMA) Fernando Pinto recebeu nossa equipe na área cedida pela Usina Utinga Leão, em Rio Largo, reservada para o trabalho de conservação da ave símbolo do estado: o Mutum-de-Alagoas.

Deixando a parcialidade de lado, a reportagem ficou encantada com o esplendor do pássaro negro, grandioso, exótico, que posava para as fotos e desfilava, como se exibisse sua beleza. E pensar que a geração atual poderia nunca o ter visto pessoalmente, um verdadeiro privilégio.

Mas deixando de lado o depoimento emocionado, lembremos da história do Mutum que, quarenta anos após seu último registro no estado que lhe empresta o nome, voltou ao seu habitat. A reinserção em seu ambiente de origem está ocorrendo em uma área de meio hectare cedida pela Utinga Leão.

Fernando Pinto conta que o Mutum tem o nome de Alagoas por ser endêmico do nosso estado, ou seja, só ocorre na nossa região. Sua ausência por tanto tempo tem custado caro à Mata Atlântica já que, por ser considerada de médio porte, a ave consegue carregar sementes maiores, o que ajuda a dispersá-las e garantir a reprodução de algumas espécies de vegetais.

Até mesmo a cadeia alimentar de seus predadores, como gaviões e outras aves de rapina, também ficou comprometida. Seu retorno ao habitat é visto como uma chance de recomeço não só para o Mutum, mas para os elos que, outrora, sustentou.

Até a chegada a Rio Largo, Fernando Pinto lembra que os espécimes que sobreviveram à devastação tiveram uma série de desafios a enfrentar. Quase desapareceram para sempre, mesmo depois de protegidos, devido à dificuldade de reverter o processo pelo qual passavam.

Nos anos 1970, apenas três chegaram vivos a Minas Gerais pelas mãos do ornitólogo Pedro Nardelli, que os resgatou na cidade de Roteiro.

Com o Mutum-de-Alagoas houve até um impasse genético, já que nem todos eram considerados “puros” por terem passado por miscigenações.

Apesar do longo período das aves em criatórios, Nardelli e Fernando Pinto sempre alimentaram o sonho de levá-las a seu estado natal, o que se tornou realidade.

A equipe de reportagem foi apresentada ao casal que vive em Rio Largo.

A ideia é transportar para o local mais três casais nos próximos seis meses e, em um segundo momento, não deixar as aves em um viveiro, como estão agora, mas sim soltas na natureza, avançando no programa de reintrodução.

“Vejo esse momento como um símbolo, como um marco. O Mutum está aí, vivo, salvo, pronto para ser conhecido pelas pessoas”, declara Nardelli após relatar seu feito de salvação da espécie na década de 1970.
Fernando Pinto, do IPMA, diz que conhecer é o primeiro passo para preservar.

“Trazer o Mutum-de-Alagoas para cá foi um longo processo e que ainda terá muitas etapas pela frente. Nesse momento, colocá-lo diante das pessoas é trabalhar a educação ambiental, é fazer com que os alagoanos e os brasileiros o abracem. Sem dúvida, é um exemplo inspirador até para que outras espécies tenham a mesma oportunidade”, opina o apaixonado pela ave.

Além do Mutum-de-Alagoas, no local também existem outras espécies ameaçadas, como a Ararinha Azul, o Jacu-de-Alagoas e o Papagaio Chauá, que só existe no Brasil e tinha praticamente desaparecido de Alagoas.

“A pandemia atrasou um pouco os planos da abertura desse local para visitação. Em seguida vieram as fortes chuvas que danificaram alguns viveiros. Mas em breve iremos abrir esse espaço para que as pessoas possam ver de perto nossas aves e escutem a história por trás de cada espécie”, explica Fernando.

No local haverá um museu e também um café para que as pessoas possam se conectar com aquele pedaço de Mata Atlântica e ainda tenham contato com espécies outrora praticamente extintas.

 

 

 

 

 

 

fonte: tribunahoje.com

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